terça-feira, abril 24, 2007

Não sei ao certo

Não sei ao certo se estou de volta.

Sei,

que não parti.

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Julieta

Julieta. – Dize-me: como vieste tu até aqui e para quê? Os muros do jardim são altos e difíceis de escalar; e este lugar será para ti a morte se algum dos meus parentes te descobre aqui.

Romeu. – Transpus estes muros com as leves asas do amor, porque não são as barreiras de pedra que o podem embaraçar; e o que o amor tem possibilidades de fazer ousa logo tentá-lo! Por isso mesmo, não são os teus parentes que me servirão de obstáculo.

Vi-a.
Na primeira fila, no canto direito da sala. Seguia a peça com o livro no colo e levantava os olhos para o palco, sempre que uma passagem preferida ia ser proclamada.

Conhecia-a.
Sentava-se sempre na primeira fila, quando andávamos juntas, nos tempos de liceu. Sempre se bastou a si e às suas coisas, aos seus livros, aos seus cadernos, aos seus poemas – entretinha-se, sozinha e sozinha sempre me pareceu feliz. Nos intervalos, sentava-se no chão com os pés para o Mundo e sublinhava coloridamente o livro que segurava no regaço. Vi-a sorrir e chorar às passagens. Emocionava-se com as histórias, com os personagens, com os autores. Ela própria escrevia. Passagens e histórias que nunca li.

Admirava-a.
Não sabia como chegar-lhe, se pelas histórias e fantasias, se por pedaços de conversas banais, mas a verdade é que a admirava a ela, às suas coisas, aos seus personagens e aos livros que trazia no regaço.

Um dia sentei-me ao seu lado e lancei-lhe um olhar curioso. Que livro? Que história? Que passagem coloriu? Toda a curiosidade posta num olhar de soslaio. A Catarina, chamava-se Catarina, estendeu-mo, fez questão que o levasse para casa e disse “é a minha personagem”.

Quando cheguei ao quarto, compus as almofadas e deitei-me para ler. Tirei o livro da mochila e exclamei em jeito de resposta ao meu olhar curioso: “É Julieta!”. Era Julieta, de facto. Julieta e Romeu presos numa varanda de amor. E comecei a ler, até chegar à primeira passagem colorida:

Julieta. – Tu sabes que a máscara da noite vela o meu rosto, pois, se assim não fosse, verias um rubor virginal tingir-me as faces, pelo que me ouviste pronunciar à pouco. Bem quisera eu guardar as conveniências e negar o que disse; mas adeus conveniências! Tu amas-me? Eu sei que vais dizer que sim, e acreditarei na tua palavra; mas, se jurasses, podias trair o juramento; dizem que Júpiter se ri dos perjúrios dos amantes. Oh, querido Romeu! Se gostas de mim, dize-mo lealmente; mas, se pensas que fui muito fácil de conquistar, franzirei as sobrancelhas, serei cruel e dir-te-ei: “Não!”, para te dar ensejo a que me faças a corte. Doutro modo nem por todo o mundo o farei. A verdade, belo Montecchio, é que estou apaixonada, e por isso talvez julgues leviana a minha conduta; mas acredita, meu senhor, que me hei-de mostrar mais fiel do que aquelas que sabem melhor afectar reserva. Confesso que teria sido mais reservada se tu não tivesses surpreendido há pouco a confissão apaixonada do meu amor. Perdoa-me, pois, e não atribuas a um amor leviano esta fraqueza que a noite escura te permitiu descobrir.

Na margem, a cor, ela escrevera “Vês aquele bosque? Anda. Fecha os olhos e vira-te para essa árvore. Recorda quantos momentos prazerosos conseguires e a seguir segue o rumo da estrada ou o rumo do bosque. Vou levar aquela capa vermelha, tenho a certeza que vai chover. Se me procurares entre o verde e as folhas, estarei de vermelho. Tentarei erguer uma varanda só para o momento em que te vir chegar. E prometo-te que não estarei escondida, em alguma gruta ou atrás de alguma pedra, estarei sempre perto, no caminho do bosque. Mas se escolheres o caminho da estrada, segue as linhas que te levarão a uma casa qualquer. Não olhes para o bosque, não vislumbrarás nem vermelho, nem varanda – esconder-me-ei; no verão, entre as cerejas. Vês aquele bosque? Anda. Conta. Corre. Atrás.”

Julieta.

sábado, fevereiro 03, 2007

Vermelha

16 anos. Não tinha mais do que isso. Média e loura. Cara de menina. Sorriso tímido e olhos grandes. Nos sapatos verdes trazia uma flor de feltro, vermelha. Falou pouco, e as poucas palavras que lhe ouvi soaram baixinho, baixinho...

17 anos, no máximo.

Cruzou aquela porta grande, numa noite igual a todas as outras. A noite e as outras. Acompanhada da mãe e irmã. Passou os olhos mas foi a mãe quem decididamente escolheu um conjunto para ela. Só até a irmã mais nova - 9 anos, no máximo - lhe mostrar o corpete de que a irmã gostara. Passei-lhe decididamente duas cruzetas para a mão e incentivei-a a que experimentasse. Ela acedeu, pouco depois a mãe foi espreitar.

- Fica-te tão bem, filha. Gostas mais desta parte de baixo ou desta?
- A Jú sabe que não gosto assim.
- Então, vai esta filha?
- Sim, Jú.

Entretanto chegou o pai - "olha o teu pai também quer ver o que comprámos", dizia a mãe, sorridente e entusiasmada. E o pai entrou, curioso e espectante, acabando por aprovar, entusiasmado, a escolha.

Senti-a apagar-se de novo. Ela não pertencia ali. Àquele entusiasmo, àquela tentativa de lhe trazer alguma compensação, àquele ânimo e àquela família que insistentemente lhe chamava de filha mas a quem ela decididamente decidiu tratar pelo nome.

Cruzou novamente a porta, alheia, desligada, e nos sapatos verdes levou a sua flor de feltro, vermelha.

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

A Página

A página não é a mesma. Mudaram o papel e não me avisaram. Está rijo, o papel; e não absorve a tinta.

As palavras são como aguarelas e a mão que desiludidamente tenta, é outra.

O lugar, este lugar é agora vazio, escuro, sozinho, calado. Tão calado que ouvi os meus próprios passos, quando timidamente entrei.

Já não existem referências, perderam-se os laços; agora tudo é solto, tudo é livre, tudo paira como uma gota de água inesperada que ao cair prolonga a pintura na tela, uma suave e desiludida aguarela.

Deixei a promessa de que um dia voltava, sem aviso, mas que voltava; na verdade sempre pensei que não voltaria mais. Mas aqui estou, de novo, no mesmo lugar que já não é o mesmo.

A página não é a mesma.

E a mão que desiludidamente tenta, é certamente outra.

domingo, julho 10, 2005

Lugar Estranho

Por baixo da fresta da porta da minha casa desliza um papel, dobrado em dois, sem envelope, escrito a lápis e a letra apressada, lê-se - 'Jantas comigo?'. A escolha que fizera por uma porta em madeira maciça e com uma fechadura pesada, fez-me dispensar o orifício por onde os olhos assustados ou ansiosos, naturalmente espreitam. Sem poder espreitar devolvi-te uma resposta. Sem poder ver a imagem que se esconde por trás desse convite, arrisquei. E na minha imaginação de menina criam-se já cenários brilhantes e coloridos, cheios de sorrisos e de um leve cheiro a chocolate. No mesmo papel, branco, escrevo - 'Sim' - em letras redondas e confusas. Dobro-o e faço-o deslizar pelo final da minha porta. De seguida recebo o mesmo papel onde se lia 'Jantas comigo?', desta vez a dizer 'Amanhã às 9, espero-te lá em baixo'. Não hesitei. Devolvi-o desta vez numa letra apressada e estreita - 'Lá estarei'.

A noite custa a passar. Fujo à tentação de pensar na invulgar possibilidade de estar a ser abordada por um estranho do mesmo modo que fujo à tentação de trazer à memória todas as pessoas que conheço bem ou que conheço, apenas, levemente. A noite não passa e o nascer do dia não chega mais. Invadem-me sentimentos contraditórios. Penso em desistir. Penso em avançar. Quando atinjo finalmente o sono, sonho com ligas e com camisolas de gola alta. 5 minutos e acordo novamente como se não estivesse estado sequer adormecida. Mas agora a escuridão já deu lugar a um sobreposto azul e chove lá fora e eu fico gelada cá dentro. Com frio e com medo do que há-de vir e são tantas e tão estranhas as ideias que ascendem à minha mente que facilmente me excito e aqueço e fico a ferver, e ensaio uma série de frases e faço de mim e dele, e pergunto e respondo e sinto-me preparada e frágil e sorrio e choro, feliz e com medo.

O dia rendeu muito pouco. Estive desconcentrada, não pensei em nada e pensei em tudo. Em cada 5 minutos que fazia para uma pausa para um café, ou para uma tosta mista, ou para um sumo de maçã, desfragmentava todas as frases feitas que anteriormente havia construído. E se me perguntavam alguma coisa respondia em sobressalto, e assustava-me com o toque do telefone, com o barulho da impressora e com o leve deslizar da caneta sobre o papel. Na minha cabeça ecoava a todo o momento a frase 'Lá estarei', e tremia ao mesmo tempo que o meu corpo vibrava. Quando saí do escritório e tive de enfrentar a claridade branca e forte que imperava lá fora, senti que toda a gente olhava para mim. E cinco pessoas que me olharam nos olhos pareceram-me uma multidão, todas elas podiam ter estado do outro lado da minha porta naquela estranha tarde, todas elas pareciam conhecer-me tão bem, e eu senti-me perdida, por não saber e não ver e não sentir rigorosamente nada em nenhuma delas.

Quando atravessei a porta do prédio descalcei os sapatos e subi as escadas o mais rápido que pude na esperança de um novo papel, de um nome, de uma pista, de um cancelar do convite por causa de uma reunião de última hora, mas não, por baixo da minha porta apenas os azulejos claros de sempre. Corri para a cozinha e acendi o esquentador, o corpo pedia-me um banho quente, e eu afoguei-me numa banheira de espuma e de sais e de cheiros e de dúvidas e de medos e de prazeres escondidos. Mantive-me imersa por 5 minutos, os 5 minutos que me permitiram afogar todos os gemidos e todos os gritos. Antes de sair ofereci-me uns segundos de água gelada para sair quente e quente pus uma música a tocar. Passeei o corpo nú por uma casa vazia, saboreei um gelado de chocolate ainda antes de me vestir e finalmente abri o armário.

Não perdi muito tempo com isso, até porque o meu relógio de parede dizia-me serem 8 horas e 35 minutos. Peguei numas calças de ganga clara, vesti uma camisa branca, pus um cinto e umas botas castanhas, optei por não levar relógio e achei por bem não levar nem fio, nem pulseiras, nem anéis, apenas um brinco de latão simples e discreto. Troquei à pressa as coisas de uma mala para outra, pus um pouco de Deep Red, ajeitei a camisa, passei a mão pelas calças, sem hesitar, saí.

Ainda faltavam 5 minutos para a hora marcada quando desci, e cá em baixo um papel branco, dobrado em dois e com a tua letra, que já reconheço, onde se podiam ler umas indicações simples para um lugar sem nome. Suspirei e atravessei a porta, caminhei com a sensação de que o bater dos saltos na calçada me faziam sentir, aquilo que não sou, alta, destemida e segura. Fui ao encontro de um restaurante vazio, entrei, como me tinhas pedido no último papel. A mesa do canto tinha apenas lugar para um, e sobre a toalha branca o meu prato preferido; por baixo da minha cadeira um girassol; baixinho ouvia-se a mesma música que tocava em minha casa, antes de eu sair, e dentro do meu guardanapo, a letra apressada pude ler 'Um beijo. Espero que gostes.'.

Soltei um sorriso rasgado, saboreei o prato, cheirei o girassol e acariciei várias vezes o pedaço de ti que havias deixado cravado no papel.

Amei-te desde o momento em que me ofereceste o vazio.

Catarina, Agosto de 2004

domingo, abril 17, 2005

Voo





Provavelmente o Amor é isto: é olhar do alto de um tronco o Mundo e achar o resto brutalmente pequeno.







E nada mais.

quinta-feira, dezembro 02, 2004

Soninho



Aconteceu muita coisa desde o dia em que inaugurei este espaço. Aos poucos, foram nascendo Sonhos envoltos em Bolas de Sabão e com eles Almas envoltas em Purpurina, que tornaram este espaço num lugar brilhante, tão brilhante. Houve até quem quisesse ultrapassar o limiar do Sonho numa noite maior em que adormecemos já de madrugada. Não esquecem. Não esqueço, nunca. Mesmo que o vento tente afastar as lembranças e que o frio as tente congelar, restam-nos as palavras e as imagens, intemporais, que ficam, sempre e para sempre, ancoradas aos sussuros de uma areia pálida e de um mar calmo.

Este espaço valeu pelo porto seguro que tantas vezes foi e pelas amizades, tão boas. Valeu também pelos elogios e pelas críticas, sobretudo valeu pela troca gratuita de palavras.

Agora é preciso fazer uma aterragem de urgência, analisei com calma o lugar em que fiquei, vou parar, um pouco, para consertar as minhas asas transparentes de Borboleta. Dêem-me também um tempo para passear pelo Bosque em busca das Farpas, vou triturá-las, para que em breve possa voltar, novamente, com muitos, muitos frasquinhos de pó de estrelas, e com os bolsos cheios de purpurina.

Posso não ter dito nada, não ter feito nada, não ter sido nada, mas para mim, os Sonhos que aqui sonhei foram os melhores Sonhos do Mundo.

Sempre que quiserem fazer aparecer uma Fada batam palmas e se quiserem ver mais de perto uma Borboleta estiquem a mão, sentem-se para falar a uma Estrela, e não interrompam as maravilhosas conversas que se dão entre as Nuvens e o Céu.

Agora que sabem para onde vou e como contactar-me, desejem-me tudo de bom, tudo de bom é também o que eu quero para cada um de vocês.

Deixo-vos um passar de mão com os brilhantes que ainda me restam...

Até Já,

strayer university